Murilo Melo Filho nasceu em Natal no dia 13 de outubro
de 1928. Filho de Murilo Melo e de Hermínia de Freitas Melo, é o
mais velho de uma irmandade de sete. Fez o curso primário no Colégio
Marista e o colegial no Ateneu Norte-Riograndense. Aos 12 anos,
ainda de calças curtas, começou a trabalhar no Diário de Natal, com
Djalma Maranhão, escrevendo um comentário esportivo e ganhando o
salário de 50 mil réis por mês. Trabalhou, a seguir, em A Ordem, com
Otto Guerra, Ulysses de Góes e José Nazareno de Aguiar, e em A
República, com Valdemar de Araújo, Rivaldo Pinheiro, Aderbal de
França, Luís Maranhão e Luís da Câmara Cascudo; na Rádio Educadora
de Natal, com Carlos Lamas, Carlos Farache e Genar Wanderley; e na
Rádio Poti, com Edilson Varela e Meira
Filho.
Aos 18 anos, veio para o Rio, onde estudou no Colégio
Melo e Souza e foi aprovado em concursos públicos para datilógrafo
do IBGE e do Ministério da Marinha, ingressando a seguir no Correio
da Noite, como repórter de polícia.
Trabalhou seguidamente na Tribuna da Imprensa, com
Carlos Lacerda; no Jornal do Commercio, com Elmano Cardim, San
Thiago Dantas e Assis Chateaubriand; no Estado de S. Paulo, com
Júlio de Mesquita Filho e Prudente de Moraes Neto; e na Manchete,
com Adolpho Bloch.
Estudou na PUC e na Universidade do Rio de Janeiro,
pela qual se formou em Direito. Chegou a advogar durante sete anos.
Costuma dizer que quem se forma em Direito pode até
advogar.
Como repórter free-lancer, entrou para a Manchete,
criando a seção "Posto de Escuta", que escreveu durante 40 anos.
Nessa mesma época, dirigiu e apresentou na TV-Rio, com Bony, Walter
Clark e Péricles do Amaral, o programa político Congresso em
Revista, que ficou no ar ininterruptamente durante sete anos, sendo
a princípio produzido e apresentado no Rio e, depois, em
Brasília.
Viveu na Nova Capital durante o atribulado qüinqüênio
de 1960 a 1965, que testemunhou em centenas de reportagens.
Construiu ali a sede de Bloch Editores e da Manchete e foi, a
convite de Darcy Ribeiro e de Pompeu de Souza, professor de Técnica
de Jornalismo na Universidade de
Brasília.
BIBLIOGRAFIA
Cinco dias de junho. Em co-autoria com
Arnaldo Niskier, Joel Silveira e Raimundo Magalhães Júnior. Rio de
Janeiro: Editora Bloch. 5 mil
exemplares.
O assunto é padre. Em co-autoria com Armando
Fontes, Cassiano Ricardo, Gustavo Corção, Hélio Silva, Josué
Montello, Octavio de Faria, Rachel de Queiroz e Walmir Ayala. Rio de
Janeiro: Editora Vozes. 5 mil
exemplares.
Reportagens que abalaram o Brasil. Em
co-autoria com Carlos Lacerda, Darwin Brandão, Edmar Morel, David
Nasser, Francisco de Assis Barbosa, João Martins, Joel Silveira,
Justino Martins, Otto Lara Resende e Samuel Wainer. Rio de Janeiro:
Editora Bloch. 5 mil exemplares.
Augusto dos Anjos - A saga de um poeta. Em
co-autoria com Gilberto Freyre, Josué Montello, José Lins do Rego,
José Américo de Almeida, Antônio Houaiss, Raimundo Magalhães Jr.,
Eduardo Portella, Ronaldo Cunha de Lima e Humberto Nóbrega. João
Pessoa: Editora Gráfica Brasileira. 5 mil
exemplares.
O desafio brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
Bloch. 16a edição. 80 mil exemplares.
El desafio Brasileño. Madri: Editora Pomaire.
10 mil exemplares.
O modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
Bloch. 3a edição. 15 mil exemplares.
O progresso brasileiro. Rio de Janeiro:
Editora Biblioteca do Exército. 3 mil
exemplares.
Memória viva. Rio de Janeiro: Editora Bloch.
5 mil exemplares.
O nosso Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro:
Editora Consultor. 5 mil exemplares.
Rio Grande do Norte - Imagem e palavra.
Barcelona: Bustamente Editores. 5 mil
exemplares.
Crônica política do Rio de Janeiro. Em
co-autoria com os jornalistas Barbosa Lima Sobrinho, Villas-Bôas
Corrêa, Pedro do Couto, Marcio Alves, Rogério Coelho Neto e Paulo
Branco. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas. 5 mil
exemplares.
Testemunho político. Rio de Janeiro: Editora
Bloch. 10 mil exemplares. 2a edição, São Paulo: Editora Elevação. 10
mil exemplares.
Múcio Leão - Centenário. Rio de Janeiro:
Academia Brasileira de Letras, 2001. 5 mil
exemplares.
Depoimento. Natal: Ed. Sebo Vermelho, 2002.
10 mil exemplares.
Tempo Diferente. Co-edição ABL/Topbooks. Rio
de Janeiro: Topbooks, 2005. 3 mil
exemplares.
História do Gás – do Rio de Janeiro ao
Brasil. Rio de Janeiro: CEG/Pancron Indústria Gráfica, 2005. 3
mil exemplares.
TEXTOS ESCOLHIDOS
O ano de 1930 nascera sob maus presságios. Poucos
meses antes, o crack na bolsa de Wall Street em Nova Iorque já
estava repercutindo negativamente sobre a economia brasileira, com a
crise na cafeicultura e nas
exportações.
A sucessão presidencial ia num crescendo preocupante.
Antônio Carlos, presidente de Minas, era o candidato natural à
sucessão de Washington Luís, um paulista de Macaé, e que, findo o
seu quadriênio no Catete, deveria ser sucedido por um mineiro, em
obediência à tradição republicana.
Citado por Alzira Vargas do Amaral Peixoto, no livro
Getúlio Vargas, Meu Pai - Ed. Globo - Pág. 47, o catarinense Lauro
Müller, com a frustração dos sonhos de seu estado em fazê-lo
presidente da República, dizia numa clarividente
previsão:
- Enquanto o governo do país permanecer nas mãos
desses portugueses de Minas e de São Paulo, não haverá perigo;
cuidado, porém, com esses espanhóis do Rio Grande do Sul, porque
estes, se tomarem conta do poder, custarão a
sair.
Com o apoio de Washington Luís a outro paulista (no
caso, Júlio Prestes), rompia-se a monotonia dessa gangorra Minas-São
Paulo. Aí, bafejada pela reação e pelo estímulo mineiros, surgia a
candidatura de Getúlio, presidente do Rio Grande do sul, que até
então se mantivera fiel à orientação política do governo federal -
fora antes, inclusive, seu ministro da Fazenda - , mas que se
transformaria no candidato da oposição.
O companheiro de chapa era o presidente da Paraíba,
João Pessoa, a braços com a rebelião local de José Pereira num
reduto no interior paraibano, que todos imaginavam apoiado por
Washington Luís e que, à frente de jagunços, anunciava a criação do
Território Livre de Princesa.
Dias após as eleições, realizadas a 1º de março, a
vitória da chapa Júlio Prestes-Vital Soares era tão esmagadora que
normalmente deveria desestimular qualquer protesto da oposição. Mas
acontece que essa oposição não aceitava o resultado das urnas,
acusando-o de falso porque obtido através de extensa fraude
eleitoral. Era a primeira vez que a oposição derrotada reagia. Mas
não seria a última em que se falaria de fraude. Muito pelo
contrário.
A revolução, coordenada por Góes Monteiro, Oswaldo
Aranha, João Alberto, João Neves da Fontoura, Flores da Cunha,
Maurício Cardoso, Antunes Maciel, João Carlos Machado, Virgílio de
Melo Franco, Juarez Távora, Juracy Magalhães, Afonso de Albuquerque
Lima, Batista Luzardo e vários outros, já estava praticamente na rua
e sua articulação atingiu o auge do emocionalismo com o assassinato
de João Pessoa, na Confeitaria Glória,
Recife.
Afinal, por que João Pessoa foi
assassinado?
Esse crime merece uma reconstituição, não só pelos
seus desdobramentos e conseqüências, como também pela importância
das pessoas nele envolvidas: a vítima, João Pessoa, presidente de um
estado; e o assassino, João Dantas, um advogado paraibano, sertanejo
da cidade de Teixeira e amigo de José Pereira, o líder de Princesa,
e de João Suassuna, o líder de Catolé do
Rocha.
João Duarte Dantas fazia violenta oposição a João
Pessoa. Um apartamento seu, localizado em sobrado da então Rua
Direita, 519 (hoje Duque de Caxias), bem no centro da capital,
próximo do Ponto de Cem Réis e do palácio onde trabalhava João
Pessoa, foi invadido pela polícia no dia 10 de julho, sem que se
saiba até hoje se com ou sem o conhecimento prévio do presidente
paraibano. Livros, documentos e móveis de João Dantas foram
queimados na calçada fronteira.
Informa-se sem confirmação que se aprenderam cartas
íntimas entre João Dantas e sua noiva Anayde Beiriz. O jornal A
União, que já era então o órgão oficial do governo da Paraíba,
publicou uma série de acusações gravíssimas a familiares de João
Dantas, inclusive ao patriarca, Dr. Franklin. Ódio mortal passou a
jogar um João contra o outro. Amigos preocupados com aquela
rivalidade conseguiram que o Dantas se retirasse para Olinda, em
Pernambuco.
O Presidente João Pessoa preparava-se para receber a
homenagem de um grupo de paraibanos pelo famoso Nego, inscrito como
símbolo na bandeira da Paraíba, quando anunciara a Washington Luís a
sua definitiva recusa em apoiar Júlio Prestes. Precisamente no dia
26 de julho, e acompanhado apenas do seu motorista, foi ao Recife
numa viagem particular, amplamente divulgada pelos jornais locais, a
fim de visitar um amigo enfermo, o Juiz Francisco Tavares da Cunha
Melo, internado no Hospital Centenário. O Estado de São Paulo
publicou no dia 3 de outubro de 1930: "Tudo indica que João Pessoa
fora ver uma cantora com quem vinha mantendo romance secreto e isto
explica a sua ida à Joalheria Krause."
Segundo os escritores paraibanos Horácio de Almeida e
Amarýlio de Albuquerque, referidos por José Joffily no livro Anayde
- Paixão e Morte na Revolução de 30 - Ed. Record - Pág. 49, essa
cantora era o soprano Cristina
Maristany.
No seu refúgio de Olinda, João Dantas armou-se de um
revólver e rumou para o centro da capital pernambucana. Estava
acompanhado do cunhado Moreira Caldas e não lhe foi difícil
vislumbrar João Pessoa bem no centro da Confeitaria Glória.
Aproximou-se dele:
- João Pessoa? Eu sou João
Dantas.
Vários tiros foram disparados por João Dantas e por
Moreira Caldas, não se tornando possível, assim, caracterizar qual
tenha sido a bala fatal que lhe varou as costas. Ao tentar a fuga,
João Dantas foi ainda atingido de raspão na cabeça com um disparo
feito pelo motorista de João Pessoa.
Em seqüência, diversas outras mortes
trágicas
Presos, João Dantas e Moreira Caldas foram recolhidos
à Casa de Detenção, do Recife, onde ambos, no dia 3 de outubro, logo
no início da Revolução de 30, viram-se degolados a cortes de navalha
e suas cabeças remetidas à Paraíba. Versão diferente dá conta de que
eles se suicidaram com golpes do mesmo bisturi, primeiro Dantas,
depois Caldas. Para sustentar a tese desse suicídio-a-dois, José
Joffily revela no seu livro, pág. 53, a existência de bilhetes
deixados por ambos sob os travesseiros:
"Como poderiam estes documentos de despedida, escritos
em instante derradeiro, apresentar a correta redação, o talho das
letras e a autenticidade das assinaturas, comprovadas em perícia, se
tudo fosse escrito no tumulto de uma feroz degola e
trucidamento?"
Cita a confidência de João Dantas ao seu irmão Manoel,
como prova do seu intuito de suicidar-se: "- No caso de um movimento
armado e vitorioso, eu não me entrego.
Mato-me!"
"- E tens ao menos com que te
matar?"
"Ele abriu a gola do pijama e retirou dele um afiado
bisturi."
Três dias depois aconteceu outra morte dolorosa: a da
noiva Anayde, uma moça de 25 anos, bonita, moderna e avançada para a
época, que, já tendo ingerido o tóxico peçonhento de uma cobra,
procurou refugiar-se no Asilo Bom Pastor, à Rua Benfica, bairro da
Madalena, Recife, onde deu entrada às 11 horas do dia 6 de outubro
para, mesmo socorrida pelas freiras, morrer três horas depois. Causa
mortis, atestada pelo IML local:
envenenamento.
Anayde, uma órfã de pai e mãe, execrada com o sinete
daquela paixão por João Dantas, foi enterrada no cemitério de Santo
Amaro, como mendiga, sem endereço e sem nome conhecidos, de acordo
com sua certidão de óbito.
A quinta vítima dessa tragédia shakespeariana foi o
ex-governador e já então Deputado Federal João Suassuna,
assassinado, por Miguel Laves de Souza, com apenas um tiro, na
esquina da Rua Riachuelo com a dos Inválidos,
Rio.
O parlamentar, amigo de João Dantas, viera ao Distrito
Federal na esperança de ser recebido pelo Presidente Washington
Luís, já na agonia final de seu governo, para fazer-lhe um relato
sobre a situação paraibana.
Sobre esse assassínio de Suassuna, seu filho, Ariano
Suassuna, acadêmico e escritor (Auto da Compadecida), denunciaria
num artigo publicado pela Folha de São Paulo, em 11 de setembro de
1980:
"Por ocasião dos acontecimentos de 30, nos quais,
entre outras coisas, meu pai foi assassinado, a mando de pessoas que
apoiavam Getúlio, éramos todos, da nossa família,
antigetulistas."
Pelo menos aparentemente, a morte de João Pessoa não
passara de um crime passional, transformado em tragédia política. O
navio "Rodrigues Alves", que transportou seu corpo para o Rio, fez
escalas em Salvador e Vitória, onde multidões acorreram ao Cais do
Porto , para ovacioná-lo. No Rio, em plena Avenida Rio Branco, o
caixão foi saudado por Maurício de
Lacerda:
- Cidadãos, mirai este esquife. Morrei por este homem
que por vós morreu. Ajoelhem-se e deixem passar o cadáver deste
Cristo do civismo e ergam-se, depois, para ajustar contas com os
judas que o traíram."...
("Testemunho Político" - 1998-pg.3)